“Nós precisaríamos de mais juízes, varas especializadas e mediadores treinados pra atuar na fase de composição processual e pré-processual”, afirmou Renata Gil
Os principais resultados da pesquisa “Métricas de Qualidade e Efetividade da Justiça Brasileira: um Estudo do Processo de Recuperação de Empresas” foram apresentados nesta segunda-feira (08), durante o Webinar “Efetividade da Recuperação de Empresas no Brasil”. O estudo é resultante de trabalho conjunto entre o Centro de Pesquisas Judiciais da AMB (CPJ), o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário (CIAPJ) da FGV Conhecimento, e uma rede interinstitucional de pesquisadores.
Na abertura do evento, a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB,), Renata Gil, ressaltou o atual cenário que abrange a recuperação judicial e extrajudicial de empresas no Brasil. Segundo a Serasa Experian, houve uma alta de 50% no volume de recuperação judicial em agosto deste ano, em comparação ao mesmo período de 2020. A maior parte dos pedidos partiu do comércio, que responde por 43,2% das solicitações, maior porcentagem desde 2017. Segundo o estudo, os números têm relação com o período de distanciamento social, adotado para conter a disseminação da COVID-19.
“É mais que fundamental que a gente se debruce sobre o tema e é muito importante que, nesse contexto da pesquisa, estamos tratando também da fase pré-judicial da recuperação de empresas. Fico muito feliz que a FGV e a AMB estejam concentradas nesse esforço de subsidiar aqueles que tem responsabilidade constitucional de entregar políticas públicas para o poder judiciário. Já são cinco pesquisas realizadas dentro da nossa gestão. Esse é mais um estudo importante para a nossa justiça e para a nação brasileira”, enfatizou.
A presidente da AMB também adiantou um dos principais resultados da pesquisa: ainda há pouca especialização no sistema de justiça brasileiro envolvendo a recuperação de empresas. “Isso dificulta a análise desses processos. Nós precisaríamos de mais juízes, varas especializadas e mediadores treinados pra atuar na fase de composição processual e pré-processual. É um desafio que merece ser tratado com dados e números para posteriormente encaminharmos os resultados para o CNJ. Nós não teríamos como criar política pública sem embasamento de dados”, ressaltou Renata Gil.
Ainda na abertura do encontro virtual, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), diretor do CPJ e professor da FGV, Luis Felipe Salomão, destacou que o estudo apresentado é uma pesquisa inédita no Brasil. Segundo o ministro, o assunto ainda é desconhecido no campo jurídico e no mundo empresarial.
“A partir deste estudo, pioneiro e inédito, é possível identificar os gargalos no andamento dos processos de recuperação de empresas e, a partir daí, seja pela via legislativa ou pela atividade judicial, realizar os reparos possíveis. A pesquisa também é inédita porque não se limita ao campo do processo judicial. Ela examina também os aspectos extrajudiciais do processo de recuperação judicial”, explicou.
A coordenadora científica da pesquisa “Métricas de Qualidade e Efetividade da Justiça Brasileira: um Estudo do Processo de Recuperação de Empresas” foi a professora Maria Tereza Sadek. De acordo com a pesquisadora, embora haja vários estudos sobre justiça e economia ou justiça e segurança jurídica, esse é o primeiro que de fato se baseia em dados amplos e nacionais a respeito da recuperação judicial.
“A ideia é de um lado fazer um retrato da situação nos últimos três anos e mostrar também como que os dados precisam ser aprimorados e como é imprescindível ter diagnóstico que nos leve a uma situação de aprimoramento da atuação do poder judiciário voltada para recuperação de empresas”, afirmou.
Durante o webnário, também realizaram palestras com base na pesquisa o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo Daniel Carnio Costa; o advogado do Instituto Recupera Brasil, Luis Claudio Montoro Mendes; e as pesquisadoras da FGV que ajudaram a elaborar o estudo, Renata Braga e Fernanda Bragança. A mediadora foi a pesquisadora Juliana Loss, coordenadora executiva do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento.
Resultados
O objetivo da pesquisa foi analisar processos que tratam da recuperação de empresas nos tribunais do país e identificar as fragilidades e potencialidades. Na sequência, propor soluções e práticas para aprimorar o sistema de insolvência no Brasil.
A análise leva em consideração, inclusive, os dados quantitativos levantados junto aos tribunais brasileiros, bem como a visão de envolvidos nesses processos, como magistrados, advogados especializados e empresas recuperandas.
O estudo identificou, por exemplo, que os Tribunais de Justiça têm uma “tímida atuação” no quanto à criação de planos de ação para incentivar a recuperação extrajudicial de empresas em dificuldade. Só três deles – os de Pernambuco, Santa Catarina e Roraima – possuem esse tipo de programa.
Além disso, os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro concentraram quase metade de todos os processos de recuperação que foram instaurados em 2018 e 2019. Entre 2018 e 2020, houve crescimento de 43% no volume de processos da justiça de 1º grau; 77% na de 2º grau e 13% de aumento dos processos no STJ. Além disso, a pesquisa constatou um aumento de 335% das recuperações extrajudiciais de empresas no âmbito dos Tribunais de Justiça.
O tempo médio da duração dos processos de recuperação judicial e extrajudicial de empresas também aumentou. Houve crescimento, em média, de 30% de 2018 para 2020 – apesar de o número de processos, anualmente, ter sido menor.
Mediação
Dos juízes que responderam à pesquisa, 82% acreditam que a mediação poderia ser aplicada na apuração dos valores dos créditos sujeitos ao processo e à negociação entre devedora e credores.
Os advogados entrevistados também informaram ter disposição para os métodos de solução consensual. Do total, 82% disseram que aconselham os seus clientes a prosseguir nas tratativas consensuais quando o processo de recuperação é encaminhado para a mediação ou conciliação. Já entre as empresas consultadas, 88% procuraram uma solução consensual para o seu caso. Mas 81% responderam que não identificaram ações dos Tribunais no sentido de incentivar a realização de opções extrajudiciais, com a atuação de mediadores e conciliadores.
Lei de Recuperações e Falências
A pesquisa mostrou, ainda, as mudanças que foram realizadas pela Lei nº 11.101, de 2005 e que estão em vigor desde janeiro deste ano. Entre as principais alterações indicadas pelos advogados, consta a possibilidade de pagamento de dívidas fiscais com condições especiais. Passaram a ser permitidos parcelamentos prolongados e até 70% de descontos com a Fazenda Nacional. Eles também apontam os mecanismos que foram criados para dar mais segurança aos investidores que têm interesse em injetar dinheiro nas companhias.